PITBULL É UMA AMEAÇA (desde 1998): BELO APELO...

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Meu pit bull é manso

Wander Antunes
Especial para o Diário de Cuiabá

Quem disse que um pit bull não pode ser manso? Pessoalmente não acredito nessa possibilidade, mas pode ser que sim. Um pit bull pode ser um gatinho, pode ser manso como um peixinho de aquário. Eu realmente não acredito, mas vá lá, muitos donos de pit bull dizem isso, acreditam nisso e eles é que são donos de pit bull, eles é que convivem com esses cães. E sou contra sair por aí, de antemão, achando que sei mais da vida – e dos pit bulls - das pessoas do que elas mesmas.

O problema, você sabe, é que pit bulls mansinhos não são notícia de jornal. Também, você já viu um pit bull manso como um lambari atacar uma criança? Não, seguramente que não. Por isso que você não ouve falar deles. A gente ouve falar de pit bulls perigosos como um dinossauro cuja fêmea tenha sido flagrada cometendo adultério. Esses eu acredito que existam. Eu sei que existem! Esses, volta e meia atacam e matam crianças, adultos, idosos e peixinhos de aquário. E são notícia, é claro. Têm que ser notícia.

Há muitos donos de pit bulls que acreditam na doçura de seus cães. Só eles. E mesmo estes simpáticos senhores e senhoras logo irão descobrir que não é bem assim. Irão descobrir que aquele cachorrinho lindo, mansinho, dócil, pode, sabe-se lá motivado por qual estímulo, atacar alguém. E depois da tragédia, estaremos diante de dois desfechos, de duas possibilidades. A primeira é que o tal pit bull não tinha um dono. Sim, aquele pit bull simplesmente apareceu ali, vindo, talvez quem sabe de uma outra dimensão, e partiu pro ataque. Ou então, coitado, perdeu a mamãe pit bull assim que nasceu e atravessou os últimos anos vagando invisível pela cidade, revirando o lixo de nossas casas e aí, um dia qualquer, resolveu partir pro ataque, em protesto contra seu destino cão. A violência toda seria um modo de chamar a atenção pra si, meio como esses americanos malucos que saem atirando em seus vizinhos. Eu não acredito nesse tipo de história, acho que um dono de um pit bull mansinho esqueceu o portão aberto e seu peixinho resolveu sair do aquário. A outra possibilidade, que também não é incomum, embora não nos conforte, é a de nos vermos diante de um dono de pit bull tentando entender como isso pode acontecer, já que seu pit bull era praticamente um membro da família. Era mansinho.

Eu tenho medo de dono de pit bull mansinho porque, pensa bem, se o pit bull dele é manso o cidadão não precisa tomar tanto cuidado assim, não é mesmo? E é desse modo que dono de pit bull mansinho pensa. Talvez não conscientemente, mas no fundo é assim mesmo. E ele vai relaxando, leva o pit bull pra passear sem focinheira, leva o pit bull pra passear sem coleira no pescoço. Nem se preocupa tanto assim se o portão está fechado. O bicho é manso, uai. Dono de pit bull manso é parte do problema!! Acredito que, por baixo, noventa por cento dos donos desses pit bulls que andaram espalhando pânico pelas ruas pensavam que seus pit bulls eram mansos. Imagino que parte do problema resida numa certa humanização do animal de criação. Sabe como é, o pit bull do cara vira ‘meu filhinho’, vira o ‘fifizinho’. Acontece muito isso. Em minha casa mesmo tem disso. Minha mulher e eu temos uma gatinha. Praticamente da família a nossa Cidinha. E, sim, eu estou seguro de que nossa ‘menina’ é mansa. Se um dia ela sair por aí atacando gente pela rua vai ser uma surpresa pra mim. Uma decepção. Onde já se viu, a Cidinha, além de mansa, foi muito bem educada, vacinada e coisa e tal...

Bom, retomando, se o pit bull do cara vira o filhinho dele, como fazer essa criatura botar na cabeça a possibilidade de sua cria se converter, sabe-se lá porquê, num bicho assassino? Nem pensar. É como esperar que papai e mamãe levem seu filhinho pra passear usando uma focinheira. O tipo de coisa que não se pede pra ninguém.

Então, parece-me que enquanto os donos de pit bulls decidirem sozinhos como irão cuidar de seus fifizinhos a coisa não vai se resolver. Vamos sempre estar diante de argumentos do tipo: 'O cachorro só é violento se o dono for violento’ ou ‘Eu sou um doce, então meu pit bull é um chicabon’. E volta e meia vamos estar diante da tragédia, volta e meia um peixinho desses aí vai saltar fora do seu aquário e pintar o caneco.

Precisamos, nós, a tal sociedade, ajudar esses pais de pit bulls problemáticos. Eles não sabem lidar com seus filhos. Tenho visto que em estados como Santa Catarina e Minas Gerais começam a ser tomadas algumas medidas, as autoridades estão impondo limites aos pais de pit bulls que amam demais. E aqui? O que nossos bravos homens públicos estão fazendo? Eu não sei. Espero que façam algo pra ontem. Ah, eu mesmo, diante de uma situação intolerável, tentei fazer algo. Nada de radical, Deus me livre, que não sou disso não. Outro dia estávamos, minha esposa e eu, cuidando de um assunto no centro e encontramos um estacionamento ao lado do portão lateral do colégio Cema. Íamos deixar o carro lá. Íamos. Pois não é que no estacionamento vive, solto,um pit bull? E o responsável pelo lugar, diante do meu espanto e temor saiu-se com a clássica ‘meu pit bull é manso’. Nem descemos do carro. Vazamos, como se diz em bom cuiabanês.

O que eu fiz? Primeiro liguei pro Cema. Sim, eles sabem do pit bull, aparentemente até já entraram na justiça contra o dono do cachorro. Mais ainda, pais de alunos também já reclamaram. E aí? E aí que o dono do pit bull continua impondo a presença de seu pit bull à comunidade. Caramba, o que essa gente da justiça está esperando acontecer? Bom, como a justiça não resolveu o problema, achei que não era má idéia provocar a imprensa. Costuma dar resultados, não costuma? Ligo pra uma rede de TV e desabafo. Do outro lado da linha, compreensão imediata de que é preciso dar visibilidade praquele absurdo. Maravilha. Fiz meu papel, não fiz? A imprensa vai fazer as coisas acontecerem. Amém. Saravá. Pronto, esqueço a novela e vou eu cuidar da minha vidinha.

Não sou de assistir muita televisão, então, umas duas semanas mais tarde, resolvo ligar pro meu contato na televisão pra saber se a matéria foi feita. Não foi. Foram lá, ou ligaram pra funcionária do colégio - uma que eu dei o nome, mas parece que ela não quis falar sobre o assunto. Entendi que por hora o pessoal da televisão foi lá e fez umas imagens pra arquivo, algo assim. Mais: disseram-me que vão esperar voltarem às aulas pra fazer a matéria.

Peraí, o que está nas entrelinhas dessa decisão editorial? Será que fazer a matéria agora não vai 'render' o bastante? Que ela vai ficar mais 'atraente' com a volta às aulas, com o risco de menininhos e menininhas serem atacados? Acho errado a imprensa decidir quando um assunto como esse deve virar notícia. Não acho correto esperar o assunto ficar mais atraente. Jornalista tem o dever de informar isso agora. E se acontece algo nesse meio tempo? Bom, pensando bem a imprensa não perde nada com isso, numa dessas até ganha. Tragédia é muito mais notícia, não é mesmo?

Eu, que gosto de filme antigo, não posso deixar de associar essa decisão editorial aos mesmos motivos que levaram o Kirk Douglas a protelar o resgate do cara que estava preso naquela caverna em “A Montanha dos Sete Abutres”, filmaço do Billy Wilder. ‘Tem que render, tem que render’, diria o personagem de Kirk Douglas. Resumo da ópera: saio dessa situação pior do que entrei, frustrado mesmo. Puto com dono de pit bull, que acha que seu fifizinho é manso. Desapontado com a lentidão da justiça. E pra lá de desiludido com a imprensa. Quer saber? Tomara que o pit bull do cara seja manso mesmo, que tenha mais juízo que todos nós e não faça nenhuma besteira.